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Sem passar vontade

Confeiteiras ensinam receitas que nasceram do desejo de comer e, hoje, são garantia de sucesso. Afinal, nem só com ovos se faz a mesa de sobremesas da Páscoa

Elas não imaginavam que teriam seu escritório na cozinha. Na verdade, elas aprenderam a lidar com o fogão seguindo o próprio instinto e, vez ou outra, tirando dúvidas em livros. Tanto que foi surpresa quando, de uma simples receita, começaram a surgir encomendas, que de tão numerosas logo as fizeram optar por outra carreira.

Afinal, a nova trajetória prometia ser tão intensa quanto a anterior, porém muito mais saborosa. Foi assim com a farmacêutica Pati Piva, que comanda a grife de doces batizada com seu nome. E também com a administradora Roberta Julião, criadora do café Da Feira Ao Baile. A convite de Prazeres da Mesa, as duas ensinam seus doces de sucesso para você encantar nesta Páscoa.

Foi por pura gula

Pati Piva

Apaixonada por doces desde sempre, Pati Piva começou a cozinhar quando se mudou para os Estados Unidos com o marido. Atuando como pesquisadora em uma universidade, Pati percebeu que Baltimore, a cidade em que morava, não tinha muitas doçarias.

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“Eu me lembro de um lugar, que era caro, onde íamos só de vez em quando, e de alguns franceses que faziam uns bons doces. Só”, afirma. Foi quando, passando por uma livraria, encantou-se pelas publicações de gastronomia, com belas fotos e receitas e decidiu colocar a mão na massa.

Usava os colegas de trabalho como cobaias e ia testando cada um dos preparos. “Eu era farmacotécnica, ou seja, é como se eu trabalhasse na cozinha da farmácia. Enquanto muitos têm pavor de fazer doce por causa da precisão, para mim, isso não era uma barreira. Sempre fui perfeccionista, gosto das medidas exatas, de usar termômetro”, diz.

De volta ao Brasil, decidiu presentear os amigos e familiares com uma cesta cheia de doces, entre biscoitos amanteigados, estrelinhas banhadas em chocolate – seu carro-chefe até hoje – e pão de mel em formato de coração.

“Nessa época eu não entendia muito das técnicas. Achava que para lidar com chocolate, era preciso deixá-lo em quarentena para evitar que ficasse esbranquiçado. Depois é que fui aprender sobre temperagem”, diz.

A falta de conhecimento técnico não atrapalhou o sucesso do presente. Tanto que sua cunhada, Eliana Tranchesi, então dona da Daslu, insistiu para que a doceira fizesse os biscoitinhos para ser servidos no lançamento da coleção de verão de 1995 da loja. “As pessoas passavam, viam meu cartão e ligavam para fazer encomendas”, afirma.

A mudança de carreira

Enquanto conseguiu, Pati levou a carreira de cozinheira em paralelo à de farmacêutica. “Até que comecei a gostar tanto de fazer os doces e tinha tantas encomendas que tive de largar a farmácia.”

A cozinha de sua casa ficou pequena para o negócio e a doceira construiu um ateliê no Morumbi, bairro pouco habitado na época. “Não tinha nada aqui. Imagina como era passar com os bolos de noiva pela estrada de terra? Tremia tudo! Foi quando resolvi asfaltar”, afirma. De lá para cá, nasceram oito lojas, todas abastecidas pela produção que sai até hoje do mesmo ateliê.

De casamentos às principais datas do ano – Natal e Páscoa – todo o portfólio é criado por Pati. Ela faz questão de pensar desde a receita até a embalagem de cada produto, muitas vezes feita à mão por ela e sua equipe.

“Teve uma Páscoa em que eu, por doidice completa, ensinei as meninas que me ajudam a pintar os coelhos que íamos usar nas embalagens. Pintamos um por um, com todos os detalhes que mereciam”, diz.

A inspiração vem dos cursos de artesanato que a confeiteira faz, das flores que encontra pelo caminho e de suas viagens, principalmente a Paris, sua cidade predileta no mundo.

O momento da Páscoa de que Pati mais gosta? “Amo estar com minha família, tranquila por ter todo o trabalho entregue. Minha maior realização é ver as pessoas contentes e saboreando as receitas ao redor da mesa.”

Era para ser de brincadeira

Roberta Julião

Em uma era pré-WhatsApp e redes sociais sem fim, Roberta Julião recebia uma infinidade de ligações de amigos em busca de dicas de restaurantes. “Eu cursava administração de empresas na Faculdade Getúlio Vargas (FGV) e, um dia, voltando para casa, alguém me ligou para perguntar onde deveria comer. Isso acontecia a toda hora e, quando desliguei o telefone, tive a ideia de fazer um blog. Era algo que ainda estava começando e a maioria deles era sobre moda, não tinha nada de gastronomia”, diz.

Assim, em 2008, nasceu o Da Feira Ao Baile. O nome veio da expressão que Roberta ouvia da mãe sempre que um item servia para diferentes ocasiões. Era, ali, o espaço para dividir suas experiências em restaurantes ou em casa.

Ela sempre gostou de receber e passava horas preparando os menus dos encontros, escolhendo os pratos nos livros de receita. “Tudo sempre ficava gostoso, e comecei a perceber que eu levava jeito para cozinhar”, diz.

Um ano depois de criar o blog, Roberta compartilhou a receita do bolo que havia feito para seu aniversário. “Eu tinha visto esse bolo em algum lugar e resolvi repeti-lo, seguindo o modo de preparo que eu imaginava. Fiz com massa de brigadeiro e farofa de biscoito por cima. Todo mundo adorou”, afirma.

No mês seguinte, a amiga fez aniversário e pediu para que Roberta levasse o tal bolo. Depois foi a vez de uma tia pedir, daí veio a amiga da tia. Quando viu, já estava recebendo várias encomendas do bolo maisena, hoje um dos mais vendidos no Da Feira Ao Baile.

No aniversário do ano seguinte, Roberta criou um brownie gigante, no outro, o bolo Negresco, depois um de Kinder Bueno. A cada aniversário da doceira, seu portfólio ganhava uma nova receita. “Só depois de uns sete anos é que decidi pensar no cardápio de encomendas. Até ali tudo tinha sido muito natural”, diz.

Com a fama espalhada pelos círculos de amigos, ela começou a fazer eventos diversos – incluindo festas de aniversário para 70 pessoas.

Tudo ainda acontecia no intervalo da faculdade ou do estágio, até que foi preciso escolher qual carreira seguir. “Brinco que o dia mais feliz da vida do meu pai foi quando entrei na FGV, e o mais triste foi quando resolvi trocar de profissão”, afirma Roberta, aos risos, ressaltando que hoje o pai vê com bons olhos seu trabalho.

A reviravolta

Em 2011, ela se matriculou no Senac, estagiou no D.O.M. e no Dalva e Dito e depois no Epice, onde aprendeu sobre o espírito de equipe e a necessidade de organização em uma cozinha.

Por preferir salgados em vez de doces na hora de comer, Roberta conta que para saborear uma sobremesa, ela tinha de valer muito a pena. E foi desse desejo que surgiram suas receitas – talvez seja esse o grande segredo de seu sucesso. “Por muito tempo eu não tive um bolo que fosse só massa e brigadeiro, porque para mim o que era normal não tinha tanta graça.” E não é apenas da vontade de Roberta que nascem os doces.

“Os bolos sempre entraram no cardápio por uma história. A massa do brownie é de uma receita do professor de inglês da minha irmã, que eu fazia para vender no terceiro colegial da escola. A ideia de rechear com pistache veio porque uma amiga, que não é muito ligada em doce, mas ama pistache, pediu para eu criar um bolo para o aniversário dela”, diz.

A mesma coisa com o cookão, um cookie gigante que nasceu a partir da receita de uma amiga de Roberta. “Eu ia fazer um evento e estava superatrapalhada com os preparos salgados, daí pedi para essa minha amiga fazer, em tamanho grande, o cookie que ela faz superbem. E eu o recheei com brigadeiro branco e preto, porque eram os que eu tinha na hora. Postei a foto e, no dia seguinte, choveram encomendas. Daí, entrou no cardápio.”

Assim como Pati Piva, a casa de Roberta ficou pequena e ela decidiu abrir um espaço para fazer suas receitas com mais conforto. Foi assim que há dois anos nasceu o café com o mesmo nome do blog.

Recentemente, ela montou uma cozinha central e pretende voar muito mais alto. Nos planos estão a inauguração de mais um café e o projeto de bolos congelados para supermercados. “Depois, vou abrir outra loja, e mais uma, e por aí vai…” diz, aos risos.

A produção dos ovos de Páscoa da loja começa em fevereiro, com a confecção das cascas de chocolate. Depois, Roberta faz uma votação nas redes sociais do café para eleger quais sabores de bolo deverão rechear os ovos. “Em nossa primeira Páscoa vendemos 500 ovos, no ano passado foram 3.000”, diz.

Entre os segredos para o sucesso está o brigadeiro, receita testada por seis anos até chegar ao ponto de hoje. Uma colher de creme de leite para cada lata de leite condensado faz com que o doce ganhe mais cremosidade e seja mais simples de ser trabalhado.

Além disso, ela garante que não adiciona nada de farinha, ovo ou qualquer outro ingrediente. Só os já conhecidos – apenas cuida das proporções de cada um deles e da qualidade da matéria-prima.

Na Páscoa da família da Roberta, ela é responsável também pelo bacalhau. E agora ensina três receitas simples para compor sua mesa de doces. O gâteau, ela aprendeu com a madrinha, tem textura de mousse e o sabor do chocolate bastante presente. O brownie belga é o segundo bolo criado por Roberta e até hoje um dos mais vendidos. A torta de caramelo salgado vem como opção para fugir dos bolos.

 

*Reportagem publicada na edição 175, de março de 2018, de Prazeres da Mesa

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Isabel Raia

Na equipe desde 2014, Isabel Raia é editora de Prazeres da Mesa. É formada em jornalismo, pela PUC-SP e pela Universidad de Castilla-La Mancha (na Espanha), e pós-graduada em Cozinha Brasileira, pelo Senac. Isabel tem na gastronomia uma de suas grandes paixões (principalmente se a receita incluir queijo ou chocolate).

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