NotíciasReportagens

CORAÇÃO ESPANHOL

Por Carolina Esquilante

Fotos Ricardo D’Angelo

A trajetória inicial de Paulo Gaudio na cozinha é similar à da maioria dos chefs, que veem na família, principalmente nos avós e nos pais, a inspiração para seguir nessa carreira, mas que preferem tentar outra profissão antes de se assumir apaixonados pela gastronomia. No caso de Paulo, a mãe, Laurene Gaudio, dava aulas de culinária e foi uma das precursoras na produção da torta capixaba – preparo icônico da culinária de Vitória, que tem como base frutos do mar, como lula, mexilhão, camarão, carne de siri e bacalhau, além de tomate, cebola, palmito, coentro, ovos e azeitona. “Venho de uma família de quatro irmãos, na qual todos aprenderam a cozinhar desde cedo. Fiz o primeiro prato aos 10 anos, a moqueca capixaba, guiado por minha mãe. Pedi que ela me ensinasse, mas ela fez muito mais do que isso. Levou-me para comprar os ingredientes e me mostrava o que era essencial para que o prato ficasse bom – como tomate maduro e peixe fresco. Ela me ensinou a diferenciar insumos, como coentro e salsinha, e isso me fascinou.  Ali, percebi que gastronomia não era só cozinhar, era identificar o produto, eram as técnicas de preparo, a origem dos alimentos”, afirma Paulo.

Continua após o anúncio

Chef Paulo Gaudio

Apesar do encantamento inicial com a vida na cozinha, Paulo não se dedicou a isso na adolescência. Mesmo sabendo fazer o trivial e aprendendo com facilidade as receitas que lhe interessavam, ele deixava a gastronomia para os fins de semana em família, sempre regados a muita comida, principalmente a espanhola, por causa de sua origem. “Até hoje temos um grupo da família, no celular, para decidir o cardápio dos fins de semana. Minha família espanhola sempre fez questão de comer muita comida boa”, afirma o chef.

Formado em engenharia e em matemática, a gastronomia ficava em segundo plano na vida de Paulo, como hobby mesmo. “Comecei a sentir que faltava algo e cada vez mais tinha vontade de reproduzir pratos mais elaborados. Era a década de 1980 e não existia escola de gastronomia no Espírito Santo. Passei a comprar livros de culinária, a me preocupar com os restaurantes que visitava nas viagens que fazia e, com o chef Juarez Campos, comecei a frequentar mais São Paulo, para fazer cursos e vivenciar a gastronomia. Assistíamos a aulas diferentes e trocávamos as anotações. Assim, as coisas foram acontecendo até que uma amiga, Isaura Caliari, abriu uma escolinha de gastronomia em Vitória e nos convidou para dar algumas aulas e fazer jantares fechados”, diz o chef. E o amigo confirma: “Isso era na época do evento Boa Mesa. Eu só assistia às aulas de cozinha, e o Paulo às de vinho. Depois trocávamos tudo”, afirma Juarez.

Foto Ricado D'Angelo
Tapa de Andaluzia

A brincadeira começou a ficar séria, e Paulo aventurou-se também na área dos vinhos, uma de suas maiores paixões: “Tenho uma confraria há 25 anos, já fiz vários cursos de sommelier, porque entendi que se eu queria cozinhar, precisava aprender a harmonizar os pratos e oferecer algo diferente para o cliente”, afirma. Há 18 anos, incentivado por Juarez, decidiu que era hora de ter seu restaurante. “Abri o La Cave com uma proposta de gastronomia contemporânea, com massas, risotos, carnes especiais, como de coelho, carneiro, pato, rã, que não era muito comum, mas que eu achava que assustaria menos do que fazer uma gastronomia espanhola em Vitória. Ao mesmo tempo, infiltrava alguns pratos e analisava a aceitação do público”, diz.

Depois de sete anos de casa aberta, o chef criou um festival espanhol, e o sucesso foi tamanho que teve de adotar dois menus para o restaurante, o espanhol e o que ele chama de o resto do mundo. “Antes que ele abrisse o restaurante, lançamos o clube dos amigos do vinho, nossa confraria, do qual, hoje, não faço mais parte. Ele tem um ‘nariz’ fantástico, também com um nariz daquele tamanho (risos). O que eu mais admiro nele, nessa área da enologia, é a capacidade de descobrir bons vinhos, a preços razoáveis. Ele é mestre em revelar rótulos pouco conhecidos, com bom custo-benefício. Paulo acabou se tornando um dos maiores entendedores da bebida em Vitória e, com a família que tem, não tinha como fugir da gastronomia. Ele faz a melhor paella e a melhor torta capixaba que já comi”, afirma Juarez.

Foto Ricardo D'Angelo
Tapa de Madri

Hoje, La Cave é referência em cozinha espanhola em Vitória,  e o chef ainda arranja tempo para jogar basquete pela seleção do estado, participar de um grupo de maçonaria, da confraria e dar aulas na faculdade. “Tento conciliar meus dias da semana para dar conta de tudo, mas o restaurante é prioridade sempre!”, diz Paulo. Para o amigo, os ensinamentos de Paulo têm sido essenciais para a formação dos alunos. “Como professor do curso de gastronomia na Universidade de Vila Velha, ele compartilha seu imenso conhecimento e contribui para a formação de uma promissora geração de cozinheiros capixabas. Por isso, é um dos chefs mais queridos e respeitados do Espírito Santo”, afirma Juarez.

Sobre o futuro do restaurante, o chef conta com a ajuda da mulher, Thaís Gaudio, para se reinventar. “Com a crise, as pessoas passaram a cozinhar mais em casa, a sair menos e, hoje, nossa clientela está na faixa etária acima de 45 anos. Percebemos que precisamos atrair o público mais jovem também. Estamos em processo de reformulação de La Cave, para manter os clientes que já conquistamos e atrair os mais novos, com um menu com maior oferta de tapas, uma carta de drinques moderna. Estamos conversando com arquitetos para uma reestruturação de parte do restaurante, sem perder a qualidade e a tradição”, diz.

Foto Ricardo D'Angelo
Fideuá

Os pratos icônicos 

Para Prazeres da Mesa, o chef selecionou alguns pratos que representam sua cozinha e suas influências. Para começar, tapas de Andaluzia, de Madri, da Catalunha e de Valência. “Pensei nas diversas regiões da Espanha e tentei valorizar algum ingrediente icônico de cada local. Da Andaluzia, por exemplo, a produção de jamón é muito forte, por isso criei uma entrada fria, bem refrescante, de jamón, com mussarela de búfala e redução de vinagre de Jerez, para dar um toque agridoce. Em Madri, o jamón também é muito consumido, por isso, para a tapa de Madri ele é acompanhado de azeite, pimentão e alecrim, com fatias de pão”, afirma Paulo.

Na Catalunha, a estrela é o cogumelo, que nessa tapa é servido com molho rôti, com muito sabor e estrutura. Tratando-se de Espanha, a inspiração na velha e boa paella não poderia faltar. “Em Valência, todo mundo só pensa nela. Mas a receita não é preparada apenas com frutos do mar. Leva embutidos, carne de porco, carne de coelho – extremamente importante na paella valenciana –, e, pensando nisso, criei uma barquinha de tomate, que remete ao mar, recheada de produtos da terra, pimentão, ervilha, alho e vísceras de coelho. Assim, se a pessoa for fazer a paella como prato principal, pode usar o coelho todo e preparar a entrada também”, diz.

Foto Ricardo D'Angelo
Bacalhau
Foto Ricardo D'Angelo
Tapa de Valência

Em relação aos pratos principais, os carros-chefes da casa são o rabo de touro e o carneiro. O rabo de touro é encontrado em praticamente todos os restaurantes da Espanha. “É um prato com uma história interessante. Antigamente, nas touradas espanholas, o toureiro oferecia o rabo de touro a uma dama da plateia. Ao entregar a ela uma rosa, significava que ele estaria se convidando para almoçar o rabo de touro na casa dela, no domingo. Isso era uma honra para a família”, diz o chef. É um preparo de três dias, no qual a rabada fica em uma marinada à base de vinhos, temperos e legumes. Na Espanha é servido com legumes da estação e pão, mas Paulo quis um preparo mais leve, para servir no menu da noite. “Desosso a rabada e sirvo com purê de legumes, que entra no lugar do pão e combina com o caldo encorpado do preparo.”

O carneiro é muito importante para Paulo, pois foi o primeiro prato de  sucesso no restaurante. Ele é cozido com bastante vinho, legumes e batatas assadas com alho, ideal para acompanhar um vinho da região da Rioja, bem estruturado. Outras boas opções são o fideuá, um espaguete com frutos do mar, e o tradicional bacalhau. “É muito consumido na Ilha de Maiorca, principalmente para substituir o arroz na paella. É um prato simples e muito saboroso. Já o bacalhau, apesar das tradições portuguesas, também é encontrado na Espanha. É servido o lombo assado, em uma cama de tomate e berinjela, com salsa aïoli”, afirma Paulo.

Além da boa comida, no cardápio há o nome de uvas relacionadas a cada prato, como sugestão de harmonização. “Busco proporcionar um prazer extremo a meu cliente, combinando todo o sabor dos pratos com ótimos rótulos”, diz o chef. E Juarez assina embaixo. “As dicas de harmonização que ele dá devem ser seguidas, a experiência gastronômica fica infinitamente melhor.”

Ficou com água na boca e está longe de Vitória? Não se preocupe! Paulo Gaudio nos revelou todas as receitas para que você possa reproduzi-las em casa e receber os elogios da família e dos amigos.

Foto Ricardo D'Angelo
Tapa de Cataluña

Mostrar mais

Prazeres da Mesa

Lançada em 2003, a proposta da revista é saciar o apetite de todos os leitores que gostam de cozinhar, viajar e conhecer os segredos dos bons vinhos e de outras bebidas antecipando tendências e mostrando as novidades desse delicioso universo.

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo