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Bons companheiros

O cordeiro é das melhores companhias para o vinho tinto

O cordeiro, ante a reputação de ser ótima companhia para vinhos tintos, provou que na prática a teoria está confirmada. Obviamente não nos contentamos com essa conclusão e recorremos ao especialista e assador do restaurante Barbacoa, Jeferson Finger. Desse modo, provamos as diferentes nuances que os cortes de cordeiro podem oferecer, além de o impacto de que uma marinada nessa carne pode influenciar sua escolha. Segundo os manuais, a carne de cordeiro, por ter sabor adocicado e mais selvagem, principalmente se comparado à bovina, com fibras bem definidas e tenras para a mastigação, pede por tintos com bom corpo e com características condimentadas, casos clássicos de Bordeaux, Rioja e alguns cortes do Rhône.

Ainda que alguns prefiram o caminho difícil, vinhos brancos não são os melhores companheiros. Isso porque ainda que a acidez ajude a “limpar” a gordura da carne, a estrutura mais leve que a dos tintos faria o vinho desaparecer e apenas a acidez se destacaria. E convenhamos que, se for apenas para destacar a acidez, seria mais simples e econômico um copo de água com algumas rodelas de limão. Vinhos brancos macerados com as cascas seriam um caminho mais consensual, também dependendo da boa quantidade de fruta, taninos e especiarias.

A seleção das carnes

Para a experiência completa, então, provamos as estrelas do cardápio do Barbacoa, o t-bone de cordeiro, a paleta e o french rack, o centro do carré. Cada corte foi provado com sete diferentes vinhos. Quanto aos dois primeiros cortes, o chef, que nasceu em uma família de açougueiros no Paraná, opta por mariná-los por 24 horas (com vinho branco, alho, cebola, hortelã e pimentas preta e dedo-de-moça). Enquanto o french rack é temperado apenas com sal grosso.

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Foto: RJ Castilho.

Ademais, em todos os casos, as peças são assadas diretamente sobre as brasas e Jeferson recomenda que seja de forma lenta, a cerca de 50 centímetros das brasas ou seguindo a técnica de encontrar a altura onde sua mão suporte a contagem de 5 segundos. No caso do Barbacoa, o cordeiro servido é abatido com 120 dias de idade. E provém de um único fornecedor no Chile, que cria as raças dorper e corriedale. “Nessa fase há um bom equilíbrio entre quantidade de carne nos cortes, a maciez e o sabor desenvolvido”, afirma Jeferson.

No capítulo do vinho, escolhemos sete amostras de tintos do Velho e do Novo Mundo. Sendo que os dividimos em quatro estilos que se apresentaram nas taças. Para tornar a prova mais interessante, os vinhos foram provados às cegas, assim qualquer preconceito foi deixado de lado e os degustadores se concentraram apenas nas combinações. Antecipando parte dos resultados, a impressão geral foi a de que tintos e cordeiro mantêm uma natural afinidade. Mesmo nos casos de menor harmonia, a combinação fica longe de ser desagradável. E a prática confirmou a teoria de que tintos com boa estrutura e fruta se mostraram mais empolgantes e indicaram que é uma combinação versátil, fácil de reproduzir e acertar.

Participaram da degustação Marcel Miwa e Ricardo Castilho, de Prazeres da Mesa; Almir Meirelles, autor do livro O Universo do Vinho; e Roberto Gerosa, do Blog do Vinho. A degustação realizada no restaurante Barbacoa também contou com o serviço do sommelier Ney Freitas. Por fim, confira a seguir os melhores resultados.

Tintos leves e frescos

Na degustação às cegas, primeiro veio a surpresa de ver dois exemplares sul-americanos entre os vinhos mais frutados e leves do painel. A época de recorrer aos excessos de concentração e madeira (por vezes alternativa, como chips de carvalho) parece estar passando. Ambos são leves, frescos, bem como ricos em notas frutadas e toques de ervas, nos quais a acidez fala mais alto que os taninos.

Do lado argentino, o representante foi o Trumpeter Malbec 2018 (R$ 106, na Zahil), e do lado chileno, o Cono Sur Reserva Especial Cabernet Sauvignon 2018 (R$ 110, em La Pastina). Aqui, porém, fica o sinal de alerta para o cordeiro. Com estilo que se aproxima da delicadeza dos brancos, a fruta é ofuscada pelo sabor da carne. Mas, longe de desaparecer, os vinhos ressaltam a veia ácida e os toques de ervas frescas. O embate se mostrou interessante com o carré (french rack), de sabor delicado e mais maciez.

Tintos elegantes

A expressão elegante e mais contida do bordalês Château Labatut Cuvée Prestige 2015 (R$ 137,34, na Premium Wines) e do tinto do Douro Xisto Cru 2014 (R$ 383, na Clarets) indicam que são boas soluções para não errar. Os vinhos têm ótimo equilíbrio entre taninos, fruta e acidez e na combinação também não apresentam arestas. Para os que querem jogar na zona de conforto, em uma mesa com outros pratos e diversos acompanhamentos, pode ser uma boa saída.

Na combinação, os vinhos se conectam bem com as carnes e não assumem o protagonismo na relação. O lado selvagem do cordeiro, em especial na paleta, é amenizado e os taninos finos ressaltam a suculência da carne. Nesse caso, também estariam tintos da Rioja, cortes bordaleses pelo mundo e tintos do Vêneto, na Itália.

Tintos potentes e com certa rusticidade

O tinto do Douro Monte São Sebastião Reserva 2015 (R$ 180, no Rancho Português) mostra uma expressão mais tradicional. Ou seja, é repleto de frutas maduras e em compota, com tostados e defumados. Definitivamente um perfil que se afasta de um vinho para aperitivo. Por outro lado, diante do cordeiro o vinho mostra sua vocação. A leve rusticidade da fruta madura e taninos são neutralizados pelo sabor intenso da carne e o vinho parece melhorar, sem encobrir o cordeiro.

Tintos robustos com perfil mediterrâneo (Carignan e alguns País chilenos, alguns tintos à moda do Rhône nos quais a Syrah ou a Mourvèdre tenha protagonismo, Priorato e tintos do Líbano) são alternativas.

Tintos com estrutura e complexidade

Aqui a categoria que se destacou na degustação. E não por acaso eram, do painel, os vinhos de safras mais antigas. Nos dois casos, portanto, o uruguaio Alto de la Ballena Tannat-Viognier 2013 (R$ 231, na Winebrands); e o português da Bairrada, Adega de Cantanhede Villa Rosa Bairrada Grande Reserva 2011 (R$ 407, na Premium Drinks SP e Castas Importadora RJ) são feitos com variedades consideradas tânicas.

Com o tempo na garrafa, além do amaciamento dos taninos, os vinhos ganharam a complexidade dos chamados aromas terciários (especiarias e toques animais, como o couro). Independentemente do corte de cordeiro provado, se marinado ou não, os dois rótulos foram considerados os favoritos no contexto do painel. O perfil semelhante de taninos, em grande quantidade, mas finos e macios, com generosa quantidade de fruta; além de álcool e acidez bem integrados pelo tempo, se conectou às carnes de forma a passar a sensação de um só conjunto, como se o vinho fosse o molho da carne.

O sabor da carne se mostra mais delicado, sem perder a suculência. Os taninos do vinho são neutralizados pelas fibras do cordeiro, bem como os aromas se conectam em seus matizes e intensidade. A essência da harmonia à mesa. Além da Tannat e da Baga, entram nessa categoria a Nebbiolo, a Cabernet Sauvignon e a Franc, de um nível de qualidade superior e com tempo suficiente em garrafa para amaciar seus taninos e mostrar alguns aromas dessa evolução.

Foto: RJ Castilho.

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Marcel Miwa

Especialista em serviço de vinhos pelo Senac-SP e jurado em diversos concursos internacionais de vinhos, desde 2015 Marcel Miwa está à frente do caderno de vinhos de Prazeres da Mesa.

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