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A ARTISTA DO BEM

Por Claudia Esquilante

Fotos RJ Castilho e Ricardo D'Angelo

Hideko Honma Hideko Honma tem várias facetas. Mãe, professora, divulgadora das tradições japonesas mas também a face que a transforma e a faz personagem em algumas das cozinhas mais top do Brasil, a de ceramista. Quando entra de madrugada em seu ateliê para criar, ela tem a consciência de que os chefs que receberão suas peças vão colocar, em cada uma, comida feita com amor e apreço pelo produto. Venerar cada elemento e depois conhecer a gastronomia. Foi um salto enorme, porque, com base nisso, consegui juntar a família ao redor da mesa, assim como os alunos, os amigos e os clientes”, diz Hideko. “É preciso ter o prazer de comer, de observar as peças, e essa é a principal razão pela qual faço utilitários. São peças para ser usadas.”

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A paixão pela cerâmica surgiu quando fez a faculdade de belas artes, e uma disciplina sobre cerâmica despertou seu interesse e a fez começar a pesquisar mais a fundo o assunto, mas não era nada frequente e, entre um e outro curso em paralelo, ela ia levando a paixão até que teve uma conversa séria com o marido: “Ele me disse que ou eu fazia direito e me dedicava, ou desistia”.

E lá foi ela para o Japão, mesmo com os filhos ainda pequenos. “Como o Agenor (o marido) pescava muito, queria fazer pratos bonitos para servir sashimi dos peixes que ele pegava e, para isso, tive de me aventurar.” A seguir a entrevista com a ceramista.

Prazeres da Mesa – Então, sua inspiração foi o marido?

Hideko Honma –Acho que sim. Primeiro porque ele trazia o peixe das pescarias, eu fazia o sashimi, e queria muito servir à família aquela comida em algo bonito, agradável. Depois, pelo incentivo e por cuidar das crianças, com certeza. Foram três meses no Japão, de muito aprendizado.

Sobre a matéria-prima, como adaptar o que você aprendeu lá com a que encontramos aqui?

Lá, tudo é perfeito. Há a loja com matéria- -prima para o ceramista. Cor, o tipo de argila que você usa, tudo é sempre com padrão. Quando voltei, percebi que aqui não era nada disso, aliás, nem tinha a cinza que eu queria usar para os esmaltes. Lá, eu comprava por quilo. Nas lojas daqui nem as encontrava. Então, aprendi a fazer.

Foi uma adaptação das técnicas do Japão com o que você tinha aqui?

Sim, no Japão eu usava outros materiais e, aqui, passei a utilizar grama. Depois, a usar folhas de bananeira. Meio assim por acaso, a ceramista foi acontecendo. Parece que a natureza foi me dando presentes. Simplesmente aproveitei-os, adaptando-os.

E deu certo?

Nossa, deu muito erro. Não fundia, porque tem o problema da temperatura e do tempo de fusão. Isso você não aprende em um curso de três meses. Fui testando, testando e ligava para meus professores no Japão pedindo ajuda. Fiz mais cursos e voltei ao Japão pelo menos mais sete vezes, sempre em busca de  aprimoramento.

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Em qual cidade você costuma fazer esses cursos?

Em Arita, a cidade onde foi encontrada a primeira jazida de pedra para fazer porcelana. Há 400 anos não existia porcelana dessa qualidade. Levaram coreanos para trabalhar no local, pois eles tinham técnicas para mexer com a matéria-prima. Eles foram naturalizados e construíram um povoado. Começaram a divulgar essa técnica e foi então que aprendi muito. Até hoje a família imperial busca sua louça lá. Sempre que vão viajar para outro país, eles têm como costume levar uma lembrança de Arita. É como se fosse um símbolo do Japão. Neste ano, em comemoração aos 400 anos da descoberta da jazida de porcelana, haverá uma festividade – na qual fui convidada pelo prefeito para expor minha arte.

Quando abriu seu primeiro ateliê?

O primeiro foi na Rua Pintassilgo, em Moema, São Paulo. Em 2015, completei 15 anos de profissão. Agora, na casa nova, quero comemorar, é uma data muito importante.

O que difere o ateliê novo do anterior?

São muito parecidos. Gosto dessa caixa de surpresas. Às vezes, algo que surpreenda, parece blindado, fechado, mas quando você entra tem um prazer enorme. Queria que, ao chegar, o aluno tivesse um lugar para tomar um café, um chá, ou para apenas relaxar um pouco antes da aula. Muitos deles trabalham, fazem outras coisas e vêm aqui aprender cerâmica. Então, se do lado de fora é tudo muito fechado, quando ele entra, vê uma iluminação agradável, um lugar bacana.

VIEIRAS AO PERFUME  DE BAUNILHA E OVAS DE PEIXE
VIEIRAS AO PERFUME DE BAUNILHA E OVAS DE PEIXE

Por que resolveu instalar uma cozinha?

Como tenho essa história com chefs, com a troca de informações sobre pratos, ter uma cozinha em que eu possa trazê-los facilita muito. Também podemos ter cursos, ou simplesmente trazer minha cozinheira para fazer um almoço para meus filhos, meu marido e amigos.

Quando você começou não tinha muita gente nessa área. Hoje, apesar da concorrência ser maior, suas peças continuam sendo reverenciadas. Qual é o segredo?

Muita gente saiu daqui, do meu ateliê. Alguns desses ceramistas tiveram aula comigo, e eu os incentivo a procurar outros ateliês, para que conheçam diferentes técnicas e produtos. O segredo é fazer com amor, entender o que as pessoas procuram e descobrir em que posso agregar.

Muitas pessoas copiam seu estilo?

Acho que são alunos que saíram daqui e que gostam de algumas formas, mas eu não me incomodo. No começo, eu me importava, agora não mais. Já fizeram moldes do meu copo, das xícaras de café. Vários tentaram, mas fica  esquisito, não fica legal – é cópia. Não tem problema, porque crio tanta coisa que minha leitura sobre isso hoje é: “Nossa! Eles gostaram, estou no caminho certo”.

Quantos alunos passaram por suas mãos?

Muita gente. Alguns estão desde que comecei, outros vão e voltam. Cerca de 30 são fixos e estão comigo há mais de dez anos.

Como você deslanchou, quais foram as primeiras vendas?

Tinha uma loja ligada ao grupo Gendai, no Morumbi, que vendia produtos japoneses. Eu era cliente da loja e imaginava vender meu trabalho ali. Um dia, tomei coragem e propus deixar minhas peças em consignação durante um mês. Foi um sucesso, venderam tudo, levantei um dinheiro significativo para a época. Na hora, liguei para meu marido e disse que estava com um cheque de valor alto e não sabia nem o que fazer. Ele me disse para ir para casa que compraríamos todo o valor em barro e argila. E foi o que fizemos. Não paramos mais.

Como você decide suas linhas?

De forma natural. Como viajo muito, fico sempre de olho nos objetos. Observo bem as peças nos restaurantes, anoto, trago as ideias e as executo. Procuro aprimorar algo que já existe, presto atenção em tudo, do jeito que a pessoa pega na colher, como usa o copo. Quero sempre facilitar o uso, como será levada ao forno, como será lavada. Alguns chefs não querem peças funcionais, e sim do jeito que gostam. Faço-as, se estiverem dentro da minha linha, de acordo com meu conceito.

Qual é a história da marca de espiral?

Meu pai lia mãos e disse que eu tenho as digitais, mas não as espirais na minha mão. Todas elas correm em linhas paralelas. As pessoas que as têm assim são objetivas. E as pessoas que não as têm são criativas demais. Eu não tenho essas linhas. Então, meu pai ficava horrorizado, e falava que nunca tinha visto alguém sem nenhuma espiral. Ele falava assim: “Olha, minha filha, você nunca vai encontrar um trabalho em sua vida. Você vai se encantar por várias coisas, mas não vai ser feliz”. Isso foi antes de eu me casar. Eu dizia: “Mas, pai, o que eu vou fazer da minha vida?”. Ele respondia: “Se você tiver a intenção de fazer um bom trabalho, de ser alguma coisa boa na vida, você vai encontrar um caminho, eu não sei o que é, mas você ainda vai encontrar”. Ganhei do meu marido um anel que tinha o desenho de uma espiral e comecei a carimbar as minhas peças com ele. Virou minha marca. Um dia, estava sentada ao torno, fazendo um prato, coloquei o dedo no meio da peça e deslizei-o, ao movimento, apareceu uma espiral sozinha. Nessa hora, tive a certeza de que a cerâmica era meu caminho, que eu havia encontrado minha espiral, mesmo não estando em minha mão, está no meu trabalho. Meu pai faleceu há três anos, mas ele teve tempo de acompanhar toda a minha carreira e de sentir orgulho por eu ter me encontrado.

Há algum chef que senta e desenvolve as peças diretamente com você?

Como hoje tenho muitas opções, os chefs olham as peças e opinam. Em geral, eles têm um prato especial no cardápio, e querem algo diferente para servi-lo. Depois, vou ao restaurante, vejo e provo a comida. Foi como aconteceu com a Bella Masano (Restaurante Amadeus, em São Paulo). Faço um protótipo e vemos se funciona. Porém, nunca é algo muito diferente de uma linha que eu já tenha em meu ateliê. Sempre o objeto tem de ter a minha cara, penso na função que ele vai exercer. Procuro imprimir minha marca nas peças, mas é algo que surge naturalmente, sem esforço, é isso que passo para os alunos. Hoje, os chefs Carlos Ribeiro, Salvatore Loi, Adriano Kanashiro e André Saburó são alguns dos meus clientes.

Como surgiu o Sukiyaki do bem?

É a menina dos meus olhos. Faço aniversário no dia 5 de junho e sempre a família quer dar uma festinha. Um complicador muito grande para mim é ganhar presente. Vou a uma loja e quando dá certo compro meia dúzia de itens (risos), todos iguais, pareço uma doida. Então, quando o pessoal me dá algo, quero trocar. Então, pensei em fazer um aniversário beneficente. Vamos para a décima edição neste ano. No começo, eu escolhia uma instituição e informava no convite, para que os convidados soubessem para onde enviar a doação, em vez de me presentear. O evento começou a tomar grandes proporções e em uma conversa surgiu a ideia de eu produzir a louça na qual seria servido o jantar, para que as pessoas pudessem levar para casa. Meu aniversário acabou ficando de lado e consegui achar uma maneira de ajudar as pessoas. Tem sido incrível. O evento já aconteceu no hotel Hyatt em São Paulo, com apoio do chef Adriano Kanashiro. Tivemos outras vezes Alex Atala, Helena Rizzo, Jun Sakamoto, entre outros. Hoje, fazemos o evento para cerca de 350 pessoas.

Qual é o significado do Sukiyaki?

Sukiyaki é um cozido japonês, que leva muita verdura e carne. No Japão, é como sushi, consumido apenas em ocasiões especiais, pois é considerado um prato requintado e não pode perder seu valor. Como é uma causa nobre e era o mês de junho, pensei em algo que aquecesse, que fosse reconfortante.

Você tem algum lugar especial que lhe inspira  criar?

Geralmente às sextas-feiras vou para o meu sítio em Jarinu, onde tenho o ateliê, que é uma grande oficina. Ali, a qualquer hora, principalmente de madrugada, acordo com ideias e tenho de ir para o torno. Quando isso não ocorre, eu desenho.

E como foi sua experiência com a família imperial japonesa?

O embaixador pediu que eu fizesse as peças para receber o príncipe em Brasília, no centenário da imigração japonesa no Brasil, em 2008. Ele queria que toda a louça fosse feita com barro brasileiro e técnica japonesa. O chef da embaixada conversou comigo sobre a criação das peças com base no cardápio. Quando viu meu material, disse que eu tinha tudo de que ele precisava. A única recomendação é que as peças precisariam ter as cores da natureza, sendo mais fortes as que representassem a estação do ano e tivessem de ter peças redondas e quadradas. Trabalhei nisso durante quatro meses. Depois, em 2015, o Akishino e a mulher, a princesa Kiko, vieram conhecer uma instituição japonesa. Fui convidada pelo consulado para mostrar as peças a eles. A princesa ficou encantada com o trabalho e perguntou quando eu voltaria a expor no Japão. Por fim, agradeceu por eu estar divulgando a cultura de seu povo fora do país.

“Fui apresentado ao trabalho e à arte de Hideko Honma em 2006 por dois amigos japoneses, os chefs Ignácio Ito e Adriano Kanashiro. Foi paixão à primeira vista! Fiquei fascinado pelas formas e cores únicas que são adquiridas por meio de elementos naturais. A Hideko sempre me incentivou e faz parte de muitas memórias boas em minha vida. Lembro-me muito de meu amigo Paulo Martins, quando ele me apresentou uma pequena sala que ficava ao fundo do antigo Lá em Casa, em Belém. Era uma sala em que ele guardava as preciosidades que comprava nas viagens – e as louças de Hideko ali tinham destaque. Uma vez, o Paulo veio fazer um festival aqui no Recife comigo e trouxe algumas peças para montar os pratos, duas quebraram, e eu coloquei na mesa da minha mãe, que tinha (ainda tem) mania de tentar consertar as coisas… Fizemos o festival e, quando vi, elas estavam coladas e na prateleira do escritório… Deus levou meu amigo, e aquelas peças estão hoje em minha casa, ao lado do santuário. Enxergo as peças de Hideko como parte indispensável na montagem dos pratos, assim como tratamos os produtos com respeito e delicadeza. Também peço a minha equipe para dar um tratamento especial às louças.”

André Saburó, Quina do Futuro, Recife, PE.

“Conheci Hideko Honma na Fundação Japão, em 2007, e me encantei por ela e por seu trabalho, que merece nossa admiração e respeito. Daquela data em diante fizemos inúmeros trabalhos juntos, como todos os eventos que antecederam as celebrações dos 100 anos da imigração japonesa no Brasil. Fizemos viagens pelo Brasil, com a cerâmica dela unida ao meu ofício. Antes de abrir o Na Cozinha, tentei ser aluno por uma temporada. Foi bom, mas não fui um bom aluno (risos). Melhor é ser amigo, ser cliente. Depois, vieram alguns livros que escrevi, e toda a cerâmica foi dela, caso do Culinária Japonesa para Brasileiros. Também participei de uma edição do Sukiyaki do Bem. Devo ser um dos chefs que mais têm peças da Hideko. Todos os pratos foram pensados com base no trabalho dela somado ao meu. Vamos da xícara de café ao lavabo! Sempre digo que as peças dela são a moldura de minha comida!! Não é mesmo? Pura verdade. E me orgulho dessa amiga e grande artista.”

Carlos Ribeiro, Na Cozinha, São Paulo, SP.

 “O trabalho da Hideko reflete a própria (e a nossa) natureza. Conjugo simplicidade com refinamento, e se prova marcante no auge de sua delicadeza. Suas peças inspiram e complementam a cozinha. Não são apenas suporte; as comidas mergulham nas louças, são abraçadas por elas…”

Bella Masano, Amadeus, São Paulo, SP.

Foto Ricardo D'Angelo
Camarão gigante à paulista

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Prazeres da Mesa

Lançada em 2003, a proposta da revista é saciar o apetite de todos os leitores que gostam de cozinhar, viajar e conhecer os segredos dos bons vinhos e de outras bebidas antecipando tendências e mostrando as novidades desse delicioso universo.

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