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Entrevista com Dirk Niepoort

Da quinta geração dos Niepoort, Dirk passa agora a seu filho Marco a filosofia criativa para atuar no mundo dos vinhos. Quando esteve no Brasil, recebeu Prazeres da Mesa para uma entrevista exclusiva

Dirk Niepoort entre outros adjetivos pode ser considerado genial e revolucionário. Um dos principais nomes do vinho de Portugal, criador de ícones em Douro, Dão e Bairrada, ele faz vinhos que envelhecem e crescem, emocionam e alegram. Rótulos de mesa e do Porto que fazem história.

Ele veio ao Brasil, dessa vez acompanhado pelo filho Marco, que tem vários projetos no mundo do vinho e recebeu Prazeres da Mesa para uma entrevista exclusiva. Dirk faz parte da quinta geração dos Niepoort e está passando a Marco um tom que explora a criatividade quando o assunto é vinho e tudo o que o cerca.

Sua família antes dedicava-se ao vinho do Porto. Depois que Dirk assumiu, em 1990, isso mudou. Não que o do Porto tenha desaparecido, muito pelo contrário, mas os vinhos de mesa da casa, sejam brancos ou tintos, estão entre os melhores da terra de Camões. Mostrou muita convicção em suas ideias, destacando as inovações, em todos os sentidos, como um grande motivador para ele e sua família.

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Os destaques da conversa foram sua paixão declarada pela Baga e pela Bairrada e seu disruptivo projeto Nat’Cool. Trata-se de um selo para um novo tipo de vinho, mais natural, com menos álcool, menos sulfuroso, com preço mais acessível e comercializado em garrafas de 1 litro.

Qual a composição em sua empresa na produção entre vinhos tranquilos (de mesa) e vinhos do Porto, hoje?

Trinta por cento de vinho do Porto e 70% de mesa, sendo 80% tinto e 20% branco. Hoje, temos 62 hectares de vinhas no Douro. Todas para produção de vinhos tintos. Todos os brancos são elaborados com uvas comprada

Como você consegue gerenciar tantos vinhos?

É muito fácil. É trabalhando com gente boa. O problema é que todos me perguntam quantos vinhos faço. Eu não sei e não quero saber, pois reconheço que é demasiado. Esses são os vinhos-base: Conversa, Vertente, Redoma, Batuta, Charme, dentre outros. Depois, temos muitos satélites.

E esses satélites existem para fazer muitas experimentações, que me ajudam a fazer vinhos melhores. Agora temos um hard core novo, o Poerinho, da Bairrada. A ideia é, cada vez mais, fazer vinhos mais autênticos, representando suas regiões, sua tipicidade e suas características. A lógica é que menos é mais.

Como nasceu essa ideia dos “Projectos” (Experimentos diversificados de Niepoort, por exemplo, um Pinot Noir do Douro)?

Muito simples, eu não nasci inteligente como todas as pessoas. Não estudei como todas elas. Eu aprendo fazendo. Na verdade, quanto mais coisas diferentes faço, melhor para mim. Abre muito minha cabeça.

Indo nessa linha, vocês têm novidades, novos projetos?

Estou criando o projeto de vinhos com selo Nat’Cool. A ideia é juntar tudo. Simplificar tudo. Queremos ir no caminho certo. Não é necessário ser certificado, mas sim ter a filosofia de vinhos mais naturais. Minimamente sulfuroso, com menos álcool.

Não serão vinhos apenas Niepoort, mas também de outros produtores que compartilhem os mesmos princípios. Vamos ter um grupo de produtores juntos nesse projeto. As regras do projeto dizem tudo. Queremos simplificar o vinho.

(Nota de PDM: neste momento, Dirk pede um copo de água normal para degustar o vinho e mostra as Nat’Cool Rules, que estão no rótulo da garrafa do tinto Drink Me que trouxe na mala, um Baga Puro da Bairrada. São elas, em tradução livre: 1. Não há regras; 2. Sempre respeite a primeira regra; 3. Menos é mais; 4. Gelado = menos álcool; 5. Autêntico, orgânico, boa atitude; 6. Uma garrafinha; 7. Bom preço; 8. A incrível leveza de ser). 

Qual o segredo para amansar a Baga?

Muito fácil, é só respeitar a casta, suas caraterísticas e, de preferência, plantá-la no sítio (local) certo. Vindimar na altura certa. Não tentar fazer um vinho gordo, pesado. Dela, temos de querer um vinho elegante, sutil, gastronômico, no qual a acidez seja a parte mais importante. Uma Baga tem uma inspiração em um Barolo Monfortino, ou um Savigny-Les-Beaune. Nebbiolo e Baga têm muita coisa parecida. Duas “cabeças duras”. Difíceis. Quando é bom é muito bom e quando é ruim é muito ruim.

E seu projeto da Ribera Sacra, Galícia/Espanha?

Conheci a região  com o Raúl Pérez, que faz vinhos conosco lá no Douro. Fomos visitar uma propriedade do Pedro Guímaro na Ribera Sacra. Ele me ofereceu uma parcela. Daí, perguntei para ele quando iríamos vindimar. Ele disse: em quatro semanas. Eu respondi: vamos vindimar na semana que vem. Mencía e Garnacha Tintorera (Alicante Bouschet).

Os vinhos antes tinham 14,5 graus de álcool e, agora, os vinhos têm 12,5 a 13 graus. O Ladredo é muito interessante. Há pessoas que dizem que sou um dos responsáveis pela mudança de filosofia dos vinhos da Galícia, trocando vinhos muito alcoólicos e extraídos por vinhos mais elegantes e frescos.

Orgânico, biológico, biodinâmico?

Não existe outro caminho que não o biológico. Não sou fundamentalista. Já temos tudo biológico no Dão e na Bairrada e nos nossos chás (esses de agricultura biodinâmica). No Douro, não estamos fazendo ainda. Tudo tem uma lógica. Na Bairrada, onde o clima é difícil, está funcionando muito bem. Biodinâmico é uma filosofia. Muita gente está seguindo esse caminho, mas tem muito marketing. Vale ressaltar aqui dois pontos. O cliente, em muitos casos, quer ser enganado, e os valores implicados nas certificações são absurdos.

Vinificação em ânforas? Aço inox? Concreto?

Sempre gostei de concreto. Nunca gostei muito de inox, mas tenho de ressaltar que higienicamente o inox é muito bom. Das ânforas eu gosto. Concreto sem epóxi evapora muito. Não funciona. Estou vinificando em ânforas e ainda não estou gostando dos resultados. Estamos tentando aprender. O Rótulo Dão é vinificado em concreto usado muito velho.

Madeira no vinho?

Muito fácil. O americano apareceu com grande força. Parker, Wine Spectator etc. O objetivo era copiar grandes vinhos franceses. Um grande vinho francês tinha muita madeira nova. Associou-se que vinho bom deve ser elaborado com muita madeira. Quanto mais cheirar madeira, mais caro será.

Começaram a fazer muita extração, a maturação e a acidez não passaram a ser problema. Quanto mais madeira melhor, quanto mais álcool melhor. E, quanto mais pesada a garrafa, mais caro se pode vender o vinho. Os vinhos estão cada vez mais padronizados. Cada vez vinhos mais iguais. Nós nunca pensamos assim.

Como estão os Douro Boys, que estão completando 15 anos neste ano?

Continuamos ativos. Mudamos a estratégia-base. A lógica no princípio era viajar para levar a visão do Douro para fora. De três anos para cá, estamos chamando as pessoas ao Douro. Agora, o pessoal tem de vir para cá, por mais arrogante que possa parecer. Mas, hoje, sabemos que é importante que as pessoas conheçam a “beleza” do Douro. Os resultados estão ótimos.

Muitos consumidores dizem que os vinhos mais reconhecidos do Douro são muito fortes. Isso vai mudar?

Está mudando lentamente. Para mim, alguns vinhos do Douro são mais ou menos como os vinhos do Priorato: elaborados a partir de uvas muito maduras, com muita extração, alcoólicos e com pouco equilíbrio. Chamo esses vinhos de vinhos pesadelos. Aprendi muito com Álvaro Palácios, do Priorato, que mudou muito seus vinhos recentemente. Ele me passa o que não devo fazer de errado.

Como vê o mercado de vinho brasileiro?

Mudam as regras rapidamente e não protegem o vinho brasileiro. Com isso, o vinho brasileiro pode ficar parado no tempo. Em contrapartida, temos muitos pequenos produtores elaborando vinhos muito interessantes. Mas acho tudo muito complicado. Se o país mudar, provavelmente a lógica das taxas e das regras mudará também.

Tem algum projeto de vinho que você ainda sonha fazer?

Eu gostaria de fazer…na realidade já fiz…risos. Foi agora na última vindima, na região de Portalegre, no Alentejo. Engarrafamos faz um mês. Uma barrica de branco e duas de tinto. Está muito bom. A região de Portalegre é muito diferente do Alentejo. Pode-se dizer que não é Alentejo.

Portalegre é mais ou menos como a Borgonha. Nada aristocrático, vinhas velhas, de boa altitude, até 1.000 metros. É muito interessante trabalhar com as vinhas velhas de lá. Fizemos os vinhos com vinhas autóctones da região, Field Blend (vinhas velhas com diversas plantadas no mesmo espaço de terra).

* Entrevista publicada na edição 180 de Prazeres da Mesa

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